A Igreja Católica no Brasil promove,
desde 1964, a Campanha da Fraternidade convocando, não só os católicos,
mas toda a sociedade brasileira, a debater temas com forte incidência na
vida humana e na estrutura sociopolítica do país. Realizada de maneira
mais intensa no período da Quaresma, tempo marcado pelo evangélico apelo
à conversão e à santidade, a Campanha se torna oportunidade
privilegiada de vivermos a dimensão comunitária de nossa fé por nos
levar ao encontro do outro a partir de sua necessidade. Só assim, a
esmola, a oração e o jejum, itinerário de nossa conversão, tornam-se
eficazes.
A Campanha da Fraternidade nos estimula,
portanto, à prática da exortação feita pelo papa Bento XVI em sua
mensagem para a Quaresma deste ano, retomada da carta aos Hebreus:
“Prestemos atenção uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às
boas obras” (Hb 10,24).
À luz desta mensagem, a Campanha da
Fraternidade, iniciativa genuinamente brasileira, ganha força quando
Bento XVI, citando Paulo VI, lembra que o mundo atual sofre porque falta
fraternidade. “O mundo está doente. O seu mal reside mais na crise de
fraternidade entre os homens e entre os povos, do que na esterilização
ou no monopólio, que alguns fazem, dos recursos do universo”.
O tema da Campanha que agora iniciamos –
Fraternidade e Saúde Pública –, em sintonia com esse ideal cristão,
quer nos questionar, especialmente, em relação à atenção que temos dado
aos nossos irmãos enfermos e aos que não têm acesso aos serviços de
saúde. E isso não de maneira periférica ou descomprometida, mas de forma
profunda, chegando mesmo às raízes das causas da realidade de dor,
sofrimento e abandono em que muitos se encontram quando o assunto é
saúde.
O objetivo geral da Campanha já nos
aponta esta direção ao delimitar três níveis que devem nortear nossa
ação. Em primeiro lugar, a tomada de consciência de como está a saúde em
nosso país; em segundo lugar, a atenção fraterna e solidária para com
os enfermos e, finalmente, o comprometimento de todos através de uma
consistente mobilização para melhorar o sistema público de saúde no
país.
O diagnóstico que a Campanha faz da
saúde pública no Brasil é extremamente realista. Por um lado, reconhece
inúmeros avanços como a redução da mortalidade infantil que chegou a
71,23% nos últimos 30 anos; a evolução da expectativa de vida que
ultrapassa os 72 anos, elevando para 21 milhões o número de idosos; a
drástica diminuição de 26% para 6,5% de mortes por doenças
infecto-parasitárias; a incorporação de novas tecnologias.
Por outro lado, a Campanha não pode
fechar os olhos para uma realidade de carência que atinge a milhões de
brasileiro quando o assunto é saúde. Mesmo com os avanços do SUS,
reconhecidos mundialmente, o Brasil ainda tem uma enorme dívida para com
à saúde pública. Pesquisa do Ipea revela que os principais problemas
enfrentados pela população são a falta de médicos, a demora para
atendimentos em postos, centros de saúde e hospitais, a demora para
conseguir consulta com especialista. Bem outra é a realidade dos que têm
condições de contratar os serviços dos planos privados de saúde, que já
respondem pelo atendimento de um quarto da população.
O subfinanciamento da saúde pública é
outro ponto que não pode passar despercebido. É sabido por todos que “os
recursos financeiros destinados à saúde pública em todo o Brasil são
insuficientes” (n. 127). Com efeito, diz o texto-base da Campanha: “É
preocupante o não cumprimento sistemático, por muitos governantes, do
mínimo de investimento na saúde, ocasionando um arriscado e perigoso
subfinanciamento na saúde pública” (n. 128). Segundo o ex-ministro da
Saúde, Adib Jatene, o subfinanciamento é o maior gargalo do SUS.
Enquanto nos países ricos 70% dos gastos
com saúde são cobertos pelo governo e 30% pelas famílias, no Brasil, em
2009, o governo foi o responsável por 47% (R$ 127 bi) dos recursos
aplicados na saúde, enquanto as famílias gastaram 53% (R$ 143 bi).
Neste contexto é que a CNBB, através de
seu secretário geral, manifestou preocupação com a decisão do governo de
cortar cerca de cinco bilhões da área da saúde, no atual exercício
fiscal, frustrando, “ao término da longa discussão da Emenda
Constitucional 29, a expectativa por maior destinação de recursos à
saúde”.
A superação das fraquezas do sistema
público de saúde será tanto mais fácil quanto mais forte for o
comprometimento da sociedade organizada. Os Conselhos de Saúde são uma
conquista social que não se pode perder. Eles são um espaço democrático
imprescindível na luta por melhoria no sistema público de saúde. As
conferências de saúde, igualmente, devem manter sua tarefa de “avaliar o
panorama da saúde e propor diretrizes que assegurem eficazes políticas
de saúde para nosso povo” (n. 120).
A Igreja, que ao longo da história, tem
dado grandes contribuições na área da saúde através da Pastoral da
Criança, da Pastoral da AIDS, da Pastoral da Saúde, dos Idosos, dentre
outros serviços, continua aberta ao diálogo com todas as instâncias da
sociedade na perspectiva de construção de políticas públicas de saúde
que minorem a dor e o sofrimento de todos, especialmente dos pobres e
excluídos.
O desejo “Que a saúde se difunda sobre a
terra”, lema da Campanha da Fraternidade, estará tão mais perto da
realidade quanto mais gente fizer dele um sonho que se sonha junto.
Nossa fé no Ressuscitado nos acreditar que isso é possível!
Que esta Campanha revigore o ânimo e a
esperança dos enfermos e torne o Brasil, como nos lembra o papa Bento
XVI em carta à CNBB, “fértil na santidade, próspero na economia, justo
na participação das riquezas, alegre no serviço público, equânime no
poder e fraterno no desenvolvimento”.
Pe. Geraldo Martins Dias
Fonte: Arquidiocese de Mariana
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