sábado, 2 de novembro de 2013

Falar de morte... quem gosta?



Pe. José Antonio de Oliveira

Imagine um país onde, de repente, não existisse mais morte. Ninguém mais morresse. Seria muito bom, não? Nem tanto! Em pouco tempo, haveria uma multidão de pessoas doentes, extremamente idosas (ou velhas, mesmo), cansadas desta vida, sem saber o que fazer. Depois de alguns anos, muita gente começaria a atravessar a fronteira, em busca de um país onde houvesse morte, onde as dores não fossem eternas.

Esse é o enredo do livro de José Saramago “As Intermitências da Morte”. Um dos seus objetivos é mostrar que a morte é necessária. E que ela também quer ser amada e valorizada. Na história que ele narra, o desaparecimento da morte gera um caos, e sua volta traz um grande alívio. As pessoas passam a olhar para ela com mais simpatia, e entendem que a morte faz parte da vida.

O mês de novembro começa trazendo para nós essa realidade. Não é agradável pensar e conviver com esse mistério. Mas é bobagem fugir dele ou tentar ignorar. E, já que não podemos viver sem ela, o mais sábio é aprender a conviver com ela sem sofrer mais do que o necessário.

A ciência faz a sua parte. Tem conseguido aliviar os sofrimentos, atenuar as dores, prolongar os anos de vida. A inteligência humana tem buscado ainda formas de, não só manter a pessoa viva, mas também proporcionar um pouco mais de qualidade aos últimos anos aqui na terra. A fé é uma grande parceira na busca de viver melhor essa realidade. Além de trazer a garantia da vida eterna, nos conforta na dor e alimenta a esperança. Dizia Blaise Pascal: “A ciência procura afastar a morte; Jesus Cristo veio prolongar a vida”.

Para as pessoas que creem, “a vida não é tirada, mas transformada”. Podemos dizer que, com a morte, ela é ampliada, se torna mais plena. “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre será apenas um grão de trigo; mas se é enterrado e morre, renasce e dá muitos frutos” (Jo 12,24).

Para nós, o ato de morrer significa a morte de tudo aquilo que é limitação e fragilidade. O nosso corpo, por mais que seja bonito e perfeito, é frágil; envelhece, se desgasta, vai se consumindo. Além disso, tem muita coisa em nós que nos faz mal. E precisa morrer. Em primeiro lugar, o nosso ego, o desejo de prestígio, a vaidade, a ambição, a mania de grandeza, tudo isso que nos torna vazios e nos isola dos outros. Depois vêm os medos que nos fazem sofrer tanto: medo de perder as pessoas, as coisas, a posição, o emprego, a segurança, a honra, os sonhos... de perder a vida. Tem ainda o egoísmo, fruto de um ego doentio, que mata em nós o espírito de fraternidade, de solidariedade. Tudo isso deve morrer, para deixar nascer uma pessoa nova, livre, leve, feliz.

Mas é claro que a ressurreição não acontece somente após o óbito. Toda a vida é um processo de morrer e renascer. A cada dia podemos matar um pouco de tudo isso que nos tira a qualidade de vida. Um dia, acontecerá a ressurreição plena. E a vida eterna na qual nós acreditamos não se limita a uma ressurreição meio mágica que acontece pós-morte. De fato, há muitas formas de se continuar vivo. É comum ver escrito em algumas sepulturas: “Ninguém morre, enquanto permanece vivo no coração de alguém”. E é verdade. Há pessoas que se foram e estão mais vivas do que nunca. Vivas junto de Deus e no coração, na lembrança, nas obras, nos filhos e netos, nos gestos, nas sementes que espalharam. Sua história e seu nome permanecem.

Jesus Cristo é o maior exemplo. Cremos na sua ressurreição. Mas, mesmo humanamente falando, ele continua muito vivo e presente. Milhões e milhões de pessoas o sentem e experimentam na sua vida. Ele transformou, transforma e continuará mudando a vida de muitos. Suas palavras e atitudes são sempre atuais. Ele continua a falar, agir, perdoar, amar, transformar e salvar em todos os cantos da terra. Sepultaram seu corpo, mas ninguém jamais sepultará sua vida, seu sonho, seu projeto do Reino de justiça e de paz. E assim acontece também conosco. A gente vai... mas não morre.

Aí você pode dizer: tudo bem, é muito bonito; mas a verdade é que a morte é cruel, machuca, surpreende, dá uma rasteira quando menos se espera. É verdade. Contudo, ela é justa. Não faz diferença. Iguala a todos. É a forma de colocar as coisas injustas no seu lugar. E, além do mais, a dor faz parte da vida. A cirurgia, o tratamento para se recuperar a saúde dói. A poda machuca. A saudade incomoda. A separação, mesmo que necessária e desejada, fere o coração. O amor dói. É certo: não existe vida sem dor. Como não existe vida sem morte... e morte sem vida.


PASCOM - Paróquia São Sebastião

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