Afresco do Beato Angélico do museu de São Marcos, em Florença. |
Cardeal Orani João TempestaArcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Dentro da Quaresma celebramos a
solenidade da Anunciação do Senhor. Nesse anúncio aparece o grande “sim”
de Maria! Isso nos remete a pensar sobre o nosso sim hoje. A história
do chamado de Deus a Santíssima Virgem Maria nos ajuda a compreender e a
responder à nossa vocação. Pois, Nossa Senhora é a “Carta” que Deus dá
aos corações mais simples para compreender a grandeza do chamado que Ele
nos faz. Na simplicidade da Menina de Nazaré está escondida a grande
Mãe de Deus, que está nos Céus à espera de cada um de nós. Maria é
modelo para toda a Igreja, por isso, sua resposta ao chamado de Deus é
também modelo para todos nós. Estas escondem a grandeza e a sublimidade
da sua vocação, que nos ajudam a compreender e assumir o desígnio de
Deus para todos nós.
Ao celebrarmos a festa da Anunciação do
Senhor, ouvindo a disponibilidade da Virgem Maria aos planos de Deus
colocando-se a serviço do Reino, nos vem à mente e ao coração o tema da
Campanha da Fraternidade deste ano, que nos indica que somos chamados a
fazer como Jesus: “Eu vim para servir”.
A Virgem Maria é a “Carta de Deus” que
nos ajuda a descobrir como o Senhor age no mistério da Salvação e,
consequentemente, em nossa vocação. Não há nada que desoriente a mente
humana como a simplicidade das obras divinas se comparada com os efeitos
que se conseguem […] O “sim” da Virgem de Nazaré ao chamado de Deus é
traduzido com o latim “fiat”, que significa “faça-se”, mas no original a
palavra grega não expressa uma simples aceitação resignada, mas um vivo
desejo. É como se dissesse: Eu também desejo, com todo o meu ser, o que
Deus deseja; faça-se logo o que Ele quer. Nossa Senhora concebeu Cristo
no seu coração antes de concebê-Lo no seu corpo. O “sim” de Maria ao
anúncio do Anjo nos ajuda a dar a nossa resposta diante da nossa
vocação, do chamado de Deus. O Senhor espera de nós, como esperou de
Maria, não somente a aceitação da nossa vocação, mas também o vivo
desejo de realizá-la plenamente. Pois, o próprio Jesus desejou
ardentemente realizar a vontade do Pai. E nessa solenidade aparecem
essas duas respostas: a de Maria e a de Jesus!
Tendo em vista a nossa vocação, enquanto
recebemos de Deus, somos convidados a fazer como Maria. Ser uma humilde
serva do Senhor! Isso vale para todos, mas, sobretudo, para os que têm
alguma responsabilidade de serviço na Igreja. Devemos ser aquele que
serve, pois é nisto que consiste a realização de toda a vocação.
Nas “Cartas pastorais” enviadas aos seus
discípulos Timóteo e Tito, o apóstolo Paulo se concentra com cuidado na
figura dos ministros, mas também sobre a figura dos fiéis, dos idosos,
dos jovens. Concentra-se em uma descrição de cada cristão na Igreja.
Ora, é emblemático como, junto aos dotes inerentes à fé e à vida
espiritual – que não podem ser negligenciadas porque são a própria vida –
são elencadas algumas qualidades puramente humanas: o acolhimento, a
sobriedade, a paciência, a mansidão, a confiança, a bondade de coração.
É este o alfabeto, a gramática de base
de cada ministério! Deve ser a gramática de base de cada um de nós. Sim,
porque sem esta predisposição bela e genuína a encontrar, a conhecer, a
dialogar, a apreciar e a se relacionar com os irmãos de modo respeitoso
e sincero não é possível oferecer um serviço e um testemunho realmente
alegre e credível.
O apóstolo exorta a reviver
continuamente o dom que foi recebido (Cf. 1 Tm 4, 14; 2 Tm 1, 6). Isto
significa que deve estar sempre viva a consciência de que não se é mais
inteligente, melhor que os outros, mas somente em força de um dom, um
dom de amor dado por Deus, no poder do seu Espírito, para o bem do Seu
povo. Esta consciência é realmente importante e constitui uma graça a
pedir todos os dias!
A consciência de que tudo é dom, tudo é
graça, também nos ajuda a não cair na tentação de colocar-se no centro
da atenção e de confiar apenas em si mesmo. São as tentações da vaidade,
do orgulho, da suficiência, da soberba. A consciência de sermos por
primeiro objeto de misericórdia e da compaixão de Deus deve nos levar a
ser sempre humildes e compreensivos nos confrontos dos outros. Estando
na consciência de ser chamado a proteger com coragem o depósito da fé
(Cf. 1 Tm 6, 20), nos colocaremos em escuta dos irmãos. Somos
conscientes de ter sempre algo a aprender, mesmo com aqueles que podem
ser ainda distantes da fé e da Igreja. Com os próprios irmãos, depois,
tudo isto deve levar-nos a assumir uma atitude nova, com o compromisso
da partilha, da corresponsabilidade e com a comunhão.
Assim como a Virgem Maria é a “Carta de
Deus”, somos chamados a ler com os olhos de fé. Não nos enganemos com a
simplicidade das suas palavras, pois o que se realizou a partir dela foi
a salvação de toda a humanidade, em Jesus Cristo. Como a Mãe do Senhor,
coloquemo-nos em prontidão para o serviço de Deus. À semelhança de
Maria, aceitemos a nossa vocação, o nosso chamado, com o ardente desejo
de realizá-la plenamente. Acreditemos que o Senhor nos chama para uma
alta vocação e digamos o nosso “sim”, o nosso “amém”.
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