4º Domingo da Quaresma
29/03/2014
1Sm 16, 1b.6-7.10-13a; Sl 22(23); Ef 5, 8-14; Jo 9, 1-41
Meus irmãos,
hoje celebramos o chamado “Domingo Laetare”,
também chamado “Domingo da Alegria”. Trata-se de um Domingo festivo que
interrompe a austeridade da Quaresma, a fim de assinalar que as
alegrias da Páscoa se aproximam. Este Domingo coincide com a antiga
“festa das rosas” na Itália e, por isso, a liturgia propõe paramentos
róseos.
As
leituras do Evangelho proclamadas nos dois primeiros Domingos da
Quaresma nos recordaram as tentações de Jesus no deserto, no limite de
Sua humanidade, a ser tentado pelo demonio, mas o venceu, preludio de
sua vitória sobre a cruz e sobre a morte (I Domingo); e a Sua
Transfiguração, através da qual Ele, Jesus, manifestou a glória que tem
com o Pai dos Céus desde toda a eternidade, a glória que se manifestará
na Sua Páscoa, na Sua ressurreição, e glória da qual participaremos (II
Domingo). Os três Domingos seguintes são dedicados ao tema do Batismo,
pois, segundo uma antiquissima tradição da Igreja, na Quaresma eram
preparados aqueles que iriam receber o Batismo na Páscoa. Semana
passada, ouvimos o “Evangelho da Samaritana” quando Jesus se apresenta
como o Messias, oferece a “água viva” e inicia ao Pai o culto “em
Espirito e verdade” (III Domingo). Hoje ouvimos o “Evangelho do Cego de
nascença”, no qual Jesus se apresenta como a “luz do mundo”, a luz da fé
(IV Domingo), como se proclamará na Vigília Pascal, no Sábado Santo: “Eis a luz de Cristo!”.
E semana que vem, ouviremos o relato da “Ressurreição de Lázaro”, o
contraste entre morte e vida, e a vida nova em Cristo ressuscitado (V
Domingo).
O
Batismo está intimamente relacionado com a Páscoa de Jesus, pois
através dele participamos da salvação oferecida por Jesus Cristo, nosso
Salvador. É como disse S. Paulo, na Carta aos Romanos: “Irmãos,
será que ignorais que todos nós, batizados em Jesus Cristo, é na sua
morte que fomos batizados? Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados
com Ele, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do
Pai, assim também nós devemos uma vida nova” (Rm 6, 3-4). A Páscoa
de Jesus é a Páscoa dos Cristãos, e é no dia do nosso Batismo que nós
participamos especialmente da morte de Jesus, ao sermos sepultados com
Ele, para que vivamos uma vida nova, como diz S. Paulo. No Batismo
recebemos o perdão dos pecados para vivermos uma vida nova. Deus nos dá,
sim, o perdão dos pecados, como expressão do seu amor por nós, mas Ele
espera a nossa correspondência. Isto significa que, perdoados de nossos
pecados vivamos uma vida nova sem pecados. Deus espera a nossa
correspondência, Deus espera o nosso amor, Deus espera, no dizer de S.
Paulo, uma vida nova. E a Quaresma, além de intensificar a preparação
daqueles que serão batizados na Páscoa, nos ajuda a refletir como viver
melhor o Batismo já recebido, e nos prepara para aprofundar e renovar as
promessas batismais, na Vigilia Pascal, no Sábado Santo.
Na
primeira leitura ouvimos a eleição e unção de Davi, filho de Jessé,
para rei de Israel. A realeza do Povo de Israel não é fruto de
conquista, mas da eleição divina. Esta leitura nos ajuda a compreender a
unção de Jesus, o Cristo, o novo Davi, o Messias, o ungido de Deus para
a nossa salvação. Esta leitura também nos ajuda a compreender o nosso
Batismo, através do qual participamos da unção de Jesus, nos tornamos
filhos de Deus, nos tornamos membros da Igreja, e nos é oferecida a vida
eterna. É notável que Davi não fosse o primogênito de sua familia e,
mesmo assim, Deus o escolheu para ser o rei de Israel. Este fato
assinala a liberdade e a iniciativa de Deus ao conduzir a história de
Seu Povo.
Na
mesma leitura, ouvimos que Deus não olha a aparência, mas o coração (v.
7). Enquanto os irmãos de Davi estavam ‘cegos’ de preconceito, afinal
Davi era o último de oito filhos, baixo de estatura, e não estava
presente quando o profeta Samuel chegou, Deus manifestou a Sua eleição e
que, assim, conduz a nossa história. A eleição do Povo de Israel se deu
da mesma forma: Deus não escolheu um povo sábio ou poderoso, mas o
menor dentre os povos da terra (cf. Dt 7, 7-8). Jesus terá o mesmo
comportamento, ao chamar os pobres e pecadores para serem os primeiros
convidados do Reino de Deus.
Em
seguida a 1ª. leitura, recitamos um Salmo muito querido do Povo de
Deus, o Salmo 23(22), o Salmo do Bom Pastor, que é um tema caro do
Antigo Testamento (cf. Ez 34, 1ss; Jr 23, 1-3). Através deste Salmo,
pedimos a proteção de Deus, o Bom Pastor. Jesus Cristo, tantas vezes, ao
tratar de Sua missão, se a apresentava como o Bom Pastor (Jo 10, 1-21;
cf. Mt 9, 36=Mc14, 27; Mt 25, 32; Mt 26, 32), e os escritos do Novo
Testamento assim O reconhecem (cf. Hb 13, 20; 1Pd 2, 25; 5, 4). Pedimos a
proteção a Jesus, o Bom Pastor, que nos conduza no Seu caminho de vida,
que traçou na nossa história, na construção de Seu Reino de paz, que
terá na eternidade a sua consumação.
O
Evangelho da Missa de hoje nos mostra a cura que Jesus operou num cego
de nascença que vivia de esmolas. O Messias prometido, o Ungido do
Espírito, o Servo do Senhor, haveria de abrir os olhos dos cegos (cf. Is
42, 6; 49, 6; Is 61, 1ss=Lc 4, 18-19). Este milagre foi, portanto, uma
obra messiânica. Neste relato, Jesus Se apresenta como a luz do mundo
(v. 5; cf. Jo 8, 12), e o faz com a fórmula “Eu sou” [que também ouvimos
no “Evangelho da Samaritana”], que assinala a Sua divindade, pois se
serviu do nome de Deus (cf. Ex 3, 14). Na criação do mundo, Deus cria a
luz e a separa das trevas. Na plenitude dos tempos (cf. Gl 4, 4), o
Filho de Deus, o Verbo divino, veio habitar no meio de nós (cf. Jo 1,
14). Ele é o caminho, a verdade e a vida (cf. Jo 14, 6), Ele é a luz do
mundo, uma luz para a humanidade, que ilumina quem crê na Palavra feito
homem, na palavra feita homem, na mensagem tornada vida no Filho
visível, que dá a conhecer o Pai dos Céus, em Quem somos todos irmãos. E
o cego miraculado, a exemplo de todos os que se aproxima de Jesus, se
tornou filho da luz (v. 36).
Este
milagre também nos ajuda a compreender a importância do Batismo. O cego
não pediu a cura. Jesus tomou a iniciativa, assinalando a gratuidade de
Deus. A liturgia batismal é uma iluminação, o Batismo era chamado na
Igreja antiga como “iluminação”, e o cristão é um “iluminado”. O Batismo
ilumina toda a pessoa: espírito e coração, sentimentos e conduta. Tal
como no “Evangelho da Samaritana”, que ouvimos semana passada, notamos a
presença da água na saliva de Jesus e, assim, a água batismal. Jesus
fez lama com Sua saliva e com o barro da terra, e a colocou no olho do
cego de nascença. Foi uma unção! Este gesto Jesus realizou outras vezes,
noutros milagres (cf. Mc 7, 33; 8, 23). Trata-se da nova criação, pois a
primeira criação fora feita do barro, também (cf. Gn 2). E como na
primeira criação, quando Deus tocou o homem feito do barro da terra,
Jesus tocou o cego, realizando a nova criação. O cego renasce e, aos
poucos, vai conhecendo a Jesus, que o curou, até atingir a luz da fé, e
dela dar testemunho. Jesus, que é a Palavra criadora de Deus, em Quem
tudo foi feito e em Quem tudo se mantém (cf. Cl 1, 16-17), vivificou o
barro da terra, e deu um novo olho ao cego de nascença. Este “novo
olho”, e a consequente luz que ele passou a enxergar, representam a fé
em Cristo. Trata-se da nova criação em Cristo, que faz com que sejamos
novas criaturas, marcadas, não mais pelo pecado, mas pela graça de Deus.
Basta deixa-se tocar por Jesus, o Filho de Deus, o nosso Salvador.
Perguntado
pelos Seus discípulos, se a cegueira daquele homem era castigo de Deus
por causa do pecado (v. 2), Jesus respondeu que era uma ocasião para
nele se manifestar as obras de Deus (v. 3). Sempre se pensou – e até
hoje se pensa – que todo mal e sofrimento é castigo de Deus pelo pecado.
Deus não castiga, porque não quer a nossa perdição, mas a nossa vida, e
o cego de nascença não foi castigado, mas agraciado com o dom de ver e
com o dom de crer em Jesus. Curado de sua cegueira, este homem também
recuperou a sua dignidade, pois não precisaria mais pedir esmolas…
Após
ungir o cego com a lama, Jesus mandou-o homem lavar-se na piscina de
Siloé, que existia próxima do Templo de Jerusalém, e que era usada pelos
peregrinos se purificarem durante as peregrinações de preceito. O fato
de Jesus mandar o cego lavar-se na piscina de Siloé significa uma
puricação, na qual vemos o simbolismo do Batismo, que nos purifica dos
nossos pecados. A palavra Siloé significa “enviado”, e remete para
Jesus, o Messias, o enviado do Pai. Isto significa que quem é batizado –
mergulhado – no “Enviado” alcança a luz da fé. Significa também que
quem alcançou a luz de Cristo é enviado a iluminar com a sua vida o
mundo que o circunda, como meditamos na 2ª. leitura.
Neste
milagre, estão presentes os símbolos batismais da água, da luz, e da
unção, que em grego significa “crisma”, donde deriva a palavra
“Cristo-Messias”. E o diálogo travado entre Jesus e o homem que era cego
lembra o interrogatório da celebração do Batismo. Assim, este homem que
era cego de nascença experimentou um verdadeiro Batismo em Cristo, a
nova criação: ele foi lavado dos seus pecados, recebeu a luz da fé, foi
ungido em Cristo e, assim, associado à Igreja, ao Novo Povo de Deus, ao
Povo sacerdotal.
É
interessante notar neste trecho do Evangelho a evolução dos títulos de
Jesus confessados pelo homem miraculado: primeiro, homem (v. 11),
depois, Servo de Deus (v. 15), profeta (v. 17), Cristo-Messias (v. 22),
homem de Deus (v. 33), e, por fim, Jesus se revela como o Filho do Homem
(v. 35), e o miraculado o confessa como o Senhor, e se prostra em
adoração (v. 38). A iluminação é progressiva. É sinal de que a fé
cresceu neste homem miraculado por Jesus, e na fé foi fiel apesar das
pressões, em contraste com o medo de seus pais (vv. 18-23) e da má
vontade dos fariseus. No contexto batismal, neste trecho do Evangelho
percebemos que o Batismo implica num caminho, o qual somos chamados a
percorrer, tal qual o cego desta passagem do Evangelho. Este é o caminho
traçado por Jesus na nossa história, e que por Jesus somos chamados a
percorrer, caminho que nos realiza na vida presente, caminho que nos
conduz à vida eterna.
Após
o milagre, Jesus e aquele que era cego foram chamados de pecadores
pelos fariseus, e expulsos da comunidade, porque o milagre foi realizado
num sábado, o dia do repouso. Esta rejeição dos fariseus, bem sabemos,
culminará na morte de Jesus. Jesus teria infligido a Lei e a vontade de
Deus, e não reconheceram a misericórdia de Deus no milagre operado por
Jesus por ter realizado a cura num sábado. Os fariseus, homens
contemporâneos a Jesus, eram homens versados na Bíblia e na religião de
Israel, mas eram cegos que não queriam ver, e cometeram o que Jesus
chama, noutro contexto, o pecado contra o amor de Deus, o pecado contra o
Espírito Santo (cf. Mc 3, 28ss; Mt 12, 31-32; Jo 12, 37; 15-22-24). No
final da narrativa, os papeis são invertidos: o cego curado foi admitido
à comunhão com Cristo e se tornou Seu discípulo, e os fariseus foram
excluídos.
O
trecho do Evangelho que ouvimos descreve algumas dificuldades que o
homem que era cego teve por causa do seu encontro com Cristo, e por sua
opção de n’Ele acreditar. Elas representam as dificuldades que o cristão
deve enfrentar para professar a fé, de forma pessoal e profunda, e
mostra que a salvação não acontece sem a nossa participação.
O
milagre que hoje ouvimos faz parte de um elenco de “sinais” de Jesus,
que S. João apresenta no seu Evangelho. Diante dos “sinais” de Jesus é
necessário aderir a Ele, ou não. Ao final da narrativa, enquanto aquele
que era cego fez a sua profissão de fé (v. 38), os fariseus chamam os
dois de pecadores. Aqui o contraste fica mais evidente, entre aceitar ou
não Jesus. Os fariseus creram na lei, o que era cego creu em Jesus. O
fiel, que se coloca diante de Jesus, a “luz do mundo”, precisa
decidir-se, se aceita Jesus como seu Senhor ou não, se aceita viver na
luz, ou viver nas trevas, como ouvimos na 2ª. leitura.
O
tema da “luz de Cristo” e da aceitação por parte do homem foi
desdobrado na 2ª. leitura. S. Paulo quer o mostrar o contraste entre
antes do Batismo e depois de sua recepção. Jesus quer que sejamos a “luz
do mundo” e, portanto, que não sejamos a “luz das trevas”. No o Batismo
fomos iluminados por Cristo ungidos pelo Seu Espírito. Por isso, S.
Paulo disse [como ouvimos]: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz” (v. 8). Isto significa que quem foi batizado passou do mundo das trevas ao reino da luz. E continua S. Paulo: “E o fruto da luz se chama: bondade, justiça, verdade. Discerni o que agrada o Senhor”
(vv. 9-10). Destas três virtudes – bondade, justiça, verdade – se
desdobram as demais, com as quais se realizamos as obras da luz. Em
nossas vidas não podem faltar a bondade, a justiça, e a verdade
A esta exortação, S. Paulo opõe às “obras das trevas” que “não levam a nada”
(v. 11) e que, apesar da pretensão de fazê-las às escondidas, se
tornarão manifestas pela luz de Cristo (vv. 12-13). Como ouvimos no
Evangelho, Jesus nos arranca das trevas (vv. 4-5). Por fim, ouvimos: “Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e sobre ti Cristo resplandecerá”
(v. 14). Este versículo foi, provavelmente, uma estrofe de um hino
batismal. Viver nas trevas é como um sono. O Batismo nos proporciona
despertar diante da luz de Cristo, despertar da morte provocada pelas
trevas, para que o Cristo resplandeça sobre nós! Precisamos despertar do
sono para não corrermos o risco de recairmos nas obras das trevas. Que
Deus nos cure da cegueira, para realizarmos as obras da luz.
São
Paulo recorda também que, além de optar pelas obras da luz e evitar as
obras das trevas, estas, as obras das trevas devem ser também
desmacaradas (v. 11), ou seja, devem ser também denunciadas, para que
outros não incorram nos seus erros e pecados. Quem teve os olhos abertos
pela luz de Cristo deve abrir os olhos dos outros, deve iluminar, pois
onde não existe luz se estabelece o reino das trevas. Optar por Cristo e
por Sua luz implica em se fazer o bem, evitar o mal, e com a força do
Seu Espírito, desmacar e denunciar a maldade, para que o caminho, que
juntos percorremos seja iluminado pela luz de Cristo e, assim, dissipar
as trevas de nosso coração e de nossa sociedade.
Meus
irmãos, a Quaresma já se aproxima de seu fim e de sua meta, e as
alegrias pascais se aproximam, como nos assinala este “Domingo Laetare”,
que hoje celebramos. Jesus é a luz do mundo, e a Sua luz dissipa as
trevas dos nossos pecados, as trevas do nosso coração, as trevas de
nossa convivência, as trevas do preconceito, as trevas de nossa
sociedade. Jesus dissipa as trevas e, ao mesmo tempo, quer que sejamos a
luz do mundo, a iluminar a nossa história, com obras de luz – bondade,
justiça, verdade – como S. Paulo nos lembrou na 2ª. leitura. Quaresma é
tempo de opção. É tempo de optar por Cristo, por Sua palavra, por Sua
luz, pelo Seu Reino, pelo Seu caminho; é tempo, também, de deixar as
trevas de nossos pecados. A Quaresma chega ao seu fim e as alegrias da
Páscoa de Jesus se aproximam e, assim, renovaremos a nossa opção de fé
dinate de Jesus Cristo, a luz do mundo, e renovaremos o compromisso de
ser Suas testemunhas (cf. At 1, 8), na força do Seu Espírito, para ser
sal da terra e luz do mundo, para a glória de Deus Pai (cf. Mt 5,
13-16).
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Por
padre Ari Ribeiro – Doutor em Teologia, pároco da paróquia São Galvão,
coordenador da catequese da Diocese de Santo Amaro (SP), membro da
Equipe Regional do Ensino Religioso – Regional Sul 1 da CNBB.
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