terça-feira, 1 de abril de 2014

SACERDÓCIO FEMININO: ALGUMA POSSIBILIDADE?

Padre Luiz Antônio Reis Costa
O acesso das mulheres às Ordens Sacras voltou a ser um tema candente. Dois motivos recolocaram-no como assunto dia. Em primeiro lugar, a euforia causada por algumas declarações do Papa Francisco, referentes à reconfiguração do papel da mulher na missão da Igreja. Depois, o 20º aniversário da primeira ordenação de sacerdotisas na Igreja Anglicana. O retorno desse debate nos dá a oportunidade de tecer algumas considerações sobre essa questão e verificar se o exemplo anglicano poderia ser seguido pela Igreja Católica.
A ordenação de mulheres é algo recente nas denominações protestantes. O século XX assistiu ao processo lento e gradual da assunção das mulheres ao pastorado.  Pioneiros foram os congregacionais da Inglaterra e de Gales com as primeiras ordenações em 1917. Posteriormente – e não sem grandes dificuldades e conflitos – a prática se alastrou pelo mundo: na década de 1960, a igreja luterana (Escandinávia, Alemanha e EUA); em 1965, a igreja reformada francesa; em 1974, a igreja episcopaliana dos EUA; em 1978, através da conferência de Lambeth, a comunhão anglicana ingressou plenamente nesse caminho. Todavia, a pátria-mãe do anglicanismo resistiu à novidade até 1994. Em março daquele ano a Inglaterra assistiu a ordenação de suas primeiras presbíteras, quase num clima de comoção nacional. Os entusiastas da causa profetizaram um novo tempo para o anglicanismo, dando como certa a revitalização eclesial e um tempo de grandes conquistas para o cristianismo inglês.
Naquele mesmo ano teólogos de renome saíram a campo, levantando a bandeira da ordenação de mulheres, agora na Igreja Católica. Amparados pela grande mídia iniciaram a montagem de um poderoso lobby, visando pressionar a efetivação dessa mudança. Resultou o contrário. João Paulo II – nas raras vezes em que isso acontece – se valeu da força decisiva de uma declaração papal “ex cathedra”. Com a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis (22/05/1994) declarou solenemente: “Portanto, com o fim de afastar toda dúvida sobre uma questão de grande importância, que diz respeito à própria constituição divina da Igreja, em virtude de meu ministério de confirmar na fé os irmãos (Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem de modo algum a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esse juízo deve ser considerado como definitivo por todos os fieis da Igreja”.  Alguns ainda insistiram na causa, afirmando que este era um posicionamento circunstancial. Todavia, em 1976, Paulo VI já havia sinalizado negativamente.  A reação de João Paulo II não emergiu do nada, mas de um longo processo de consultas e reflexão. A Congregação para a Doutrina da Fé dissipou as últimas dúvidas com uma declaração em 1995. Nela se lê que na Ordinatio Sacerdotalistemos uma doutrina que exige assentimento definitivo e pertence ao depósito da fé. Em outras palavras: nenhuma possibilidade de alteração na posição assumida.
A postura de João Paulo II diferenciou claramente o modo como católicos e anglicanos lidaram com esta questão. Para os anglicanos (e demais defensores do ministério ordenado feminino) o sacerdócio e o pastorado não foram conferidos às mulheres por razões culturais. Uma vez  mudado o cenário cultural, tornou-se aceitável a ordenação de mulheres e nenhuma razão existiria para manter essa proibição, tida como meramente disciplinar. De modo bem diferente a Igreja Católica refletiu e agiu. Seu posicionamento considerou que a impossibilidade do sacerdócio ministerial feminino origina-se não da cultura, mas da configuração que o próprio Senhor deu ao sacramento da Ordem. Se Jesus quisesse poderia ter conferido esse ministério às suas discípulas, mas não quis.  Os apóstolos, ao fundarem novas comunidades eclesiais se depararam com ambientes onde as mulheres presidiam o culto religioso, mas não assimilaram esse costume.  A prática de Jesus, dos apóstolos e de quase vinte séculos de fé cristã apontou para o sacerdócio reservado aos homens, e isso não como uma simples circunstância cultural, mas como verdadeiro dado de fé. As razões da negativa católica são de ordem teológica. Reconheceu-se que mudar a configuração original das Ordens Sacras é algo que Igreja não pode fazer, por maiores que sejam as pressões externas. Em cada sacramento existem elementos que constituem sua identidade profunda. A Igreja não  inventou tais elementos, mas simplesmente  os acolheu como vindos daquele que instituiu todos os sacramentos. Não se trata, portanto, de uma questão de cultura ou disciplina canônica. É uma questão de fé, assim reflete a Ordinatio  Sacerdotalis.
O ministério sacerdotal não é a única forma de participação ativa na vida e na missão da Igreja. Em tempos de valorização do laicato e de crítica ao clericalismo é algo estranho ressuscitar a polêmica do sacerdócio feminino. Não só estranho, é inútil.  Uma palavra de caráter definitivo foi emitida. O próprio Papa Francisco, ao falar da missão que compete às mulheres na Igreja, já deixou claro ter consciência daquilo que é possível mudar e daquilo que não é.
Anteriormente falamos da euforia vivida em 1994 e da grande expectativa de renovação eclesial na Inglaterra, justamente por causa do ministério feminino. Profetizou-se um futuro auspicioso, mas o resultado foi exatamente o oposto. A igreja anglicana continuou enfrentando a mesmas dificuldades de antes, acrescida de outras novas. A defecção da assistência ao culto dominical aumentou em 40% depois de 1994. Mulheres ordenadas não tiveram a esperada força de atração para novamente lotar as igrejas. Templos foram fechados e vendidos para outros fins. Grupos contrários ao ministério feminino se encaminharam para o cisma ou se tornaram católicos. Esses últimos foram tão numerosos que Bento XVI lhes erigiu um ordinariato pessoal.
Ao longo da história da Igreja as mulheres têm prestado ampla gama de serviços cujo valor é inestimável.  A transmissão da fé na família e nas comunidades eclesiais passa necessariamente pelas mãos femininas. A vida consagrada e o laicato encontram nas mulheres a sua força mais expressiva. É considerando o amplo horizonte da vida da Igreja que o Papa Francisco almeja repensar o lugar da mulher. A missão da Igreja não se realiza somente através do ministério ordenado. Portanto, será fora do sacramento da Ordem que esse novo lugar deverá ser encontrado.

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