Um recente artigo publicado no site da Revista Galileu descreveu sobre a importância de se movimentar o corpo, desde a primeira idade até a velhice, e todos os benefícios que a prática da atividade física promovem no organismo. Vale a leitura:
Quer ser mais inteligente? Corra!
Fazer exercícios aeróbicos regularmente pode ser uma das melhores maneiras de turbinar o QI, a memória e lutar contra o envelhecimento do cérebro, mostram estudos
(Foto: Renato Faccini) |
Quem achou que ia cochilar na palestra do
psiquiatra John Ratey ficou decepcionado. Ele fez seu público, composto
por 1.100 dos principais educadores do mundo, exercitar-se ali mesmo.
“Corremos sem sair do lugar por 20 segundos, depois descansamos 10
segundos e então repetimos isso mais quatro vezes”, diz. Parece um
começo estranho para a apresentação de um professor da Escola de
Medicina de Harvard numa conferência sobre educação. Mas Ratey sabia que
esse “aquecimento” jogaria a seu favor: todos ficariam mais atentos e
talvez até guardassem melhor o que estavam prestes a ouvir. Na verdade,
foi um início perfeito para uma palestra sobre como usar nossos corpos
para melhorar nossas mentes.
A ideia de que os exercícios físicos reduzem o risco de doenças
cardíacas, de certos tipos de câncer e até previnem contra diabetes tipo
II é bem aceita entre os cientistas. Só que estudos mostram que os
exercícios também podem turbinar a mente. Não estamos falando apenas
daquele bem-estar vago sugerido por ditados como “mente sã, corpo são”. O
que Ratey e outros pesquisadores estão descobrindo é que a atividade
física tem profunda influência em uma série de capacidades cognitivas
que definem seu QI.
Os primeiros estudos a sugerir essa ligação vêm dos anos 1960, mas foi
na década de 1990 que Fred Gage, geneticista do Salk Institute (EUA),
descobriu que fazer exercícios parecia estimular o crescimento de novos
neurônios em camundongos. Na mesma época, o psicólogo Arthur Krame, da
Universidade de Illinois, publicou um artigo na revista Nature
demonstrando que adultos antes sedentários, ao seguir um plano de
exercícios de seis meses, melhoravam o desempenho em testes mentais que
exigiam controle executivo. Esse controle é o tipo de concentração que
nos ajuda a alternar tarefas sem cometer erros, fundamental para a
inteligência.
Desde então, várias pesquisas confirmam e aprofundam esses resultados.
Boa parte examina idosos, cujas habilidades mentais tendem a decair com o
passar dos anos. Um grande estudo da Universidade de Munique, por
exemplo, acompanhou 4.000 idosos durante dois anos. Aqueles que
raramente faziam atividades físicas tiveram mais do que o dobro de
chance de sofrer algum comprometimento cognitivo se comparados aos que
faziam jardinagem, natação ou ciclismo algumas vezes por semana. Outro
grande estudo publicado no periódico The Lancet, que seguiu um grupo de
quase 1.500 pessoas durante 20 anos, mostrou que esses efeitos podem ser
duradouros. Os indivíduos que se exercitavam pelo menos duas vezes por
semana já adultos tinham menos chance de desenvolver demência quando
passavam dos 60 anos. Os resultados são um alerta para os preguiçosos:
formar hábitos saudáveis hoje pode atrasar o declínio mental décadas no
futuro.
Pesquisas com jovens são mais raras, mas há evidências de que as
atividades físicas fortalecem a saúde cerebral em todas as fases. Uma
delas analisou crianças de 5 a 14 anos em escolas públicas na cidade de
Nova York. Em testes cognitivos, os 5% de alunos que estavam mais em
forma tiveram notas 36% superiores que o grupo menos em forma. Outro
levantamento sobre registros de condicionamento físico de 1,2 milhão de
homens que se alistaram nas forças armadas da Suécia entre 1950 e 1976
chegou a uma conclusão semelhante. A pesquisa, que seguiu os dados dos
jovens dos 15 aos 18 anos, indicou correlação entre boa forma física na
adolescência e o melhor desempenho em testes de inteligência e
habilidades cognitivas aos 18 anos.
SACUDIDA NO CÉREBRO
O conjunto desses estudos está transformando o modo como vemos a
relação entre corpo e mente. “Quando comecei a estudar o assunto, achei
que houvesse um cérebro saudável básico e as atividades físicas pudessem
melhorá-lo”, conta a neurologista Megan Herting, da KeckSchoolof
Medicine, em Los Angeles. “Mas agora penso o contrário: as crianças com
altos níveis de atividade representam o nível básico de como o cérebro
deve ser ativo.” A conclusão de Megan,que estuda o impacto dos
exercícios nas crianças, é que eles não são um fator que incrementa a
cognição normal, mas são uma condição necessária para que ela exista.
O que está por trás dessa relação? “As pessoas gostam muito da euforia
provocada pela corrida e da clareza mental que sentimos com uma rotina
de exercícios”, afirma Brian Christie, neurocientista da Universidade de
Victoria, no Canadá. O estresse pode inibir as respostas cerebrais na
resolução de problemas, impedindo que o órgão faça as conexões
necessárias. “Se você sai para caminhar, seus níveis de estresse
geralmente despencam”, diz Christie. O fenômeno pode explicar em parte
por que as crianças mais saudáveis também têm melhor desempenho nos
estudos.
Os exercícios provavelmente contribuem com mudanças mais permanentes.
Por ser um dos órgãos que mais consome energia, o cérebro depende de uma
dieta constante de nutrientes e oxigênio, supridos por uma complexa
rede de vasos sanguíneos. As atividades físicas encorajam a construção
dessas linhas de suprimentos e também facilitam sua manutenção. Matthew
Pase, da Universidade Swinburne, na Austrália, descobriu que a pressão
alta, especialmente nas grandes artérias centrais que alimentam o
cérebro, pode causar falhas no desempenho cognitivo, talvez em
consequência de danos aos vasos. Como a atividade física regular reduz a
pressão arterial, ela deve proteger o cérebro desses problemas no
fornecimento de alimento. Outra forma mais indireta de benefício é o
fato de que indivíduos mais atléticos têm menos risco de diabetes e
obesidade, problemas que podem gerar um ciclo de reações que contribui
para o acúmulo das placas cerebrais em pacientes com Alzheimer.
Quando falamos de mudanças dentro do cérebro, as atividades físicas
provocam a liberação de neurotransmissores como serotonina,
noradrenalina e dopamina, os mesmos estimulados pelos antidepressivos e
medicamentos para hiperatividade. Ou seja, uma corridinha na esteira ou
uma pedalada na bicicleta ergométrica pode se parecer com tomar uma
mistura de Prozac com Ritalina, explica Ratey. Os exercícios também
estimulam a produção de substâncias que regulam o desenvolvimento do
cérebro, os fatores de crescimento. Ratey chama essas substâncias de
“adubo cerebral”, pois elas criam um ambiente no qual os neurônios podem
prosperar e promove a formação de novas conexões.
EVOLUÍMOS PARA CORRER
As origens dessa conexão entre corpo e mente provavelmente estão em uma
época remota de nossa evolução. “A atividade física é uma parte
importante de nossa história evolucionária. Todo nosso sistema
fisiológico se baseia em ser atlético”, afirma David Raichlen,
antropólogo biológico da Universidade do Arizona. Talvez a capacidade
cerebral tenha emergido para melhorar a busca por alimentos, ele sugere.
Quando os animais procuram comida, o aumento de fatores de crescimento
no cérebro leva ao desenvolvimento de neurônios e sinapses, o que ajuda a
lembrar o caminho para voltar à fonte de comida mais tarde.
Raichlen lembra que os seres humanos têm resistência atlética muito
superior à dos outros primatas. Em outras palavras, ninguém jamais veria
um macaco correndo uma maratona. À medida que se adaptaram a corridas
de longa distância em busca de alimentos, nossos ancestrais teriam
vivenciado uma injeção constante dos fatores de crescimento, o que fez
os neurônios e sinapses se desenvolverem. É possível que o resultado
tenha sido uma explosão na inteligência, defende Raichlen. Ou seja, que
parte da razão para a inteligência dos seres humanos esteja no nosso
esforço físico.
Independentemente do papel dos exercícios na evolução, suas
consequências para o cérebro já começam a ser levadas em consideração. O
Departamento de Saúde dos EUA está encorajando as escolas a oferecerem
mais aulas de educação física e o Instituto de Medicina do país
recomenda que os alunos das séries iniciais façam 30 minutos de
exercício por dia e os mais velhos 45 minutos. “Precisamos que as
crianças se mexam todos os dias. Além de fazer sentido para a saúde,
também aumenta suas notas nas provas”, diz Ratey.
O mesmo princípio se aplica à população mais velha. Exercitar-se é uma
alternativa aos jogos de inteligência. Kramer diz que ainda não há
evidências suficientes que comprovem o benefício de jogos como palavras
cruzadas, já que as melhorias conquistadas não parecem afetar o
cotidiano. Por outro lado, os novos programas de exercício, conduzidos
durante seis meses ou um ano, tendem a acelerar a velocidade de
processamento cerebral e melhorar a atenção e a memória em diversas
atividades. Combinar as duas abordagens pode ser a opção ideal.
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/02/quer-ser-mais-inteligente-corra.html
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