Eu não estava preparada para a notícia que o meu quase sempre banal
aplicativo de mensagens no celular acabara de me dar. Cristiano Araújo, o
jovem cantor de 29 anos fora vítima fatal de um acidente de carro, que
também matou a namorada, de 19. Uma vida, carreira e sonhos levados
embora com aquele capotamento.
Mas ele não é o único, milhares de “Cristianos” são vitimados pelo
trânsito todos os dias no Brasil. Segundo a pesquisa Mapa da Violência,
tais acidentes são a principal causa de morte entre brasileiros de 15 a
29 anos, que podem pode chegar a mais de 60 mil, apenas no último ano,
um caso a cada 12 minutos.
E esses números só tendem aumentar. De acordo com o Levantamento do
Observatório Nacional de Segurança Viária, os acidentes de trânsito
superam homicídios ou câncer, por exemplo. Segundo registro no seguro de
Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre
(DPVAT), o país tem 31,3 vítimas fatais por 100 mil habitantes; mais que
o verificado no Catar, El Salvador, Belize e Venezuela. Sem contarmos
os casos de sequelas, muitas vezes irreversíveis, que inviabilizam a
vida dessas vítimas.
Ainda de acordo com o estudo, mais de 95% dos desastres viários são
resultados de irresponsabilidade e imperícia dos motoristas, fato que o
Ministério da Saúde define como “mortes evitáveis”, ou seja, que aquelas
cuja evitabilidade é dependente de tecnologia disponível no Brasil,
acessível pela maior parte da população brasileira ou a ofertada pelo
Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas, sem aprofundar em causas, dados ou estatísticas, é preciso
lembrar os sentimentos, as famílias incompletas, as dores físicas e
psíquicas. Há uns dias promovíamos no hospital o Maio Amarelo, que visa
alertar sobre essa causa, quando um rapaz me abordou, contando que
naquela manhã estava indo para seu primeiro dia de trabalho, após seis
meses desempregado. A alegria durou pouco. Ele foi atingido em cheio por
uma caminhonete e teve o braço quebrado, acidente que lhe custaria três
meses de repouso e obviamente, o tão desejado emprego.
Outro fato também me marcou na rotina de trabalho. Uma mulher estava
sentada de costas e só pude observar o cabelo tingido de loiro, preso em
um coque e o corpo meio corcunda abraçado por um grande moletom rosa
bem chamativo. Logo que me aproximei pude ouvir a conversa de instruções
para a liberação no IML, do corpo do filho, um jovem, vítima de
acidente de trânsito.
Atordoada, ela não conseguia dizer nada à profissional que lhe
orientava. Quando as instruções chegaram ao fim, ela continuou imóvel,
era como se o tempo tivesse parado ali, naquela pequena sala e lhe
trouxesse memórias, sentimentos, que abruptamente eram interrompidos
pela dor da partida.
Em choque, e perceptivelmente sem saber como agir, ela recebeu os
pêsames da profissional e se levantou. Ao passar por mim, que esperava o
fim daquele atendimento ao lado da porta, a mulher de coque e moletom
rosa se colocou à minha frente e como um pedido de socorro, me olhou.
Fui pega desprevenida, mesmo trabalhando na assessoria de comunicação de
um hospital de urgência e emergência, onde isso é rotina, não esperava
uma reação assim. Desejei força para aquele momento e lamentei o
ocorrido. Talvez tenha agido através de uma convenção social do luto,
mas foi minha única reação.
Hoje, o dia é de lembrar o cantor Cristiano Araújo, mas também os
milhares de Cristianos, vítimas do violento trânsito brasileiro,
deixando famílias, amigos e um futuro brilhante à mercê do vazio, que
essa fatalidade impõe.
Jornalista e pós-graduada em comunicação estratégica pela PUC-GO. Trabalha como assessora de comunicação de dois hospitais do SUS e atua no núcleo de jornalismo da equipe jovem de comunicação da CNBB.
Fonte: http://www.jovensconectados.org.br/os-cristianos-que-o-transito-mata-no-brasil.html
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